Juventude
“Dividimos o prato com os irmãos em penúria, extinguindo o suplício da fome.
Dividimos o vestuário com os que sofrem
nudez, para que o frio não lhes anule a existência.
Providenciamos remédio em favor dos
enfermos desamparados.
Partilhamos o teto com os que vagueiam sem
rumo.
Mas não é só.
Ensinamos lições de justiça para que a
desordem não nos induza à barbárie.
Espalhamos noções de higiene preservando a
saúde.
Quanto mais se adianta a civilização mais
se nos desdobram os bens da vida.
Imperioso lembrar que é necessário
distribuir também os valores da alma.
Nós, os tarefeiros desencarnados e
encarnados da Doutrina Espírita, em plena renovação da Terra, não podemos
olvidar que é preciso repartir o conhecimento superior.
Saibamos repartir, através da palavra e da
ação, da atitude e do exemplo, o ensinamento espírita à luz do Evangelho do
Cristo, imunizando a vida terrestre contra as calamidades de ordem moral.
Nós que levantamos a escola para remover as
sombras do cérebro, atendamos à educação espiritual que dissipa as trevas do
coração.”
Rumo Certo – 22.
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“Depoimentos merecedores do mais alto conceito dão-nos conta do zelo religioso de Eurípedes, desde a meninice, quando exercia com muito respeito as funções de “coroinha”, nos rituais da paróquia local.
Co-fundador da Irmandade São Vicente de
Paulo, deteve por alguns anos o cargo de secretário dessa congregação.
O vigário da época era o Padre Manoel
Rodrigues da Paixão – muito estimado por suas virtudes e chamado carinhosamente
por seus paroquianos de “Nosso Padrinho Vigário”.
Eurípedes afinizava-se bem com o bondoso
pároco, também pelas manifestações usuais de dinamismo realizador do jovem, na
extensão dos serviços religiosos.
Assíduo nos cultos e sincero nas
convicções, que o ligavam à igreja, sempre fora alvo da confiança do Senhor
Vigário e de seus assistentes: Pe. Augusto Teodoro da Rocha Maia e Pe. Pedro Ludovico
Santa Cruz. Estes últimos antigos professores de Eurípedes.
Um episódio marcante veio abrir novos
horizontes, no entendimento espiritual de Eurípedes.
Corria o ano de 1903.
Eurípedes saíra da residência paterna para
uma visita ao Pe. Pedro Ludovico Santa Cruz.
Encontrara o Pe. Augusto Teodoro da Rocha
Maia, que após alguns minutos de conversa amistosa, apresentou-lhe um compêndio
e, em tom confidencial, disse ao jovem:
– Eurípedes, sei que você é católico
fervoroso e amigo das boas leituras. Você vai ler este livro – mas cuidado! –
não o passe a diante. A leitura desse livro é proibida pela igreja a seus
adeptos.
O sacerdote passara as mãos de Eurípedes
um exemplar da Bíblia.
Um brilho de interesse santo iluminou os
belos olhos do adolescente.
Em poucos minutos, ei-lo de volta à casa
comercial do progenitor, portanto a Bíblia sob o braço direito.
Ao passar pela residência do Sr. Leão
Coelho de Almeida, situada na travessa da Rua Principal com a Rua Municipal,
Eurípedes fora abordado por esse grande amigo e por José Martins Borges, muito
ligados desde o Colégio Miranda por profundas afinidades, nas áreas do trabalho
e do estudo.
Aludindo-se ao livro que Eurípedes sobraçava
com cuidado, o Sr. Leão exclamou, jocosamente:
– Olá, Eurípedes, só lhe falta agora a
batina! Não demora muito e teremos Padre novo na terra.
José Martins secundou o amigo, rindo
gostosamente.
– Os senhores bem sabem quanto aprecio os
bons livros e como amo conhecer e analisar tudo. As boas leituras são para mim
como o mel é para a abelha...
A resposta evasiva e sincera, acompanhada
de um gesto cortês de despedida, deixara os amigos sem outras argumentações.
Eurípedes alcançara a loja do pai, a
poucos passos dali, ansioso por iniciar a leitura, que se lhe antolhava
empolgante.
Tudo o que conhecia dos Evangelhos
resumia-se nos ensinamentos que os Padres, bons amigos, sem dúvida, porém muito
sóbrios e omissos na exposição da palavra sagrada, lhe ministravam.
O jovem começou a leitura pelo Novo
Testamento.
Nos interregnos, o pensamento, a razão, o
cérebro, voltavam-lhe irresistivelmente para aquele compêndio extraordinário.
Fez anotações que lhe serviriam para
futuros roteiros.
Leu, paciente e com fervor crescente todos
os capítulos e versículos dos Evangelhos. O discernimento vigoroso
despertava-se, apreendendo com justeza as lições do Senhor.
Uma página, por sinal de significativa
importância, não conseguiu ele entender: O discurso do Cristo, expresso em
letras de ouro em Mateus e Lucas, caps. V e VI respectivamente, no canto da
bemaventuranças.
Apegara-se ao Sermão do Monte, como supremo
óbice ao seu raciocínio.
Chocavam-se-lhe as aspirações de
entendimento, ao impacto daquela barreira.
Vira tantos desconsolados permanentes da
vida baixarem à tumba sem os prometidos reconfortos, exarados na promessa
divina...
Não compreendia ainda como o Cristo –
Sábio e misericordioso – prometera consolações a pobrezinhos sem eira nem beira
– os que foram injustiçados em todos os tempos e que não raro sucumbem à ação
da revolta...
Na mente do jovem fervilhavam angustiosos
pontos reticentes, quando procurou o Pe. Augusto Teodoro da Rocha Maia para um
esclarecimento mais direto sobre o assunto.
Colocou o pároco a par de suas
elucubrações metafísicas.
– Meu filho – explica o bondoso amigo Pe.
Maia – o Cristo jamais foi tão claro, como no sermão do monte. Não há
necessidade de interpretações. Tudo claríssimo como o sol da manhã...
De acordo, Padre, ao que se refere à
extraordinária beleza das expressões do Senhor. Mas, o que não entendo é até
onde vai o pensamento do Mestre, no tocante as promessas que não se realizam...
– Não diga assim, meu filho. Sempre há um
motivo oculto – um mistério – no ensino Cristão, que não podemos e nem devemos
penetrar. Compreende Eurípedes?
Evidentemente tais considerações não
satisfazem o espírito analista do jovem.
Contudo, abaixara a cabeça, em face da
impossibilidade de prosseguir, no desdobramento do absorvente tema.
Despedira-se cordialmente do bom amigo e
conselheiro.
Mas, trazia cravados no espírito os
primeiros acúleos da dúvida...
Por alguns meses, mantivera-se o moço
preso a leitura dos evangelhos.
Gradativamente, assinalava com profundeza
a distância entre o dogmatismo católico tão complexo na sua estrutura,
essencialmente assentada na tela mística da letra e o sublime código de
ensinamentos morais, com embasamento nas máximas tão singelas quão sábias e nas
parábolas de luminosa tessitura educativa do Mestre.
Permanecia, contudo, o discurso da montanha
como obstáculo maior aos sublimes empenhos do jovem para a compreensão da
palavra divina...
Instalara-se no espírito a chave, que lhe
abriria as portas da verdade sob o painel da análise comparativa.
Achava-se sob o domínio da dúvida.
Mariano da Cunha fazia viagens periódicas a
Sacramento.
Hospedava-se na casa da irmã, fato que se
constituía em motivo de grandes alegrias para Eurípedes.
Muito amigo de “tio Sinhô”, o moço pedia à
mãe lhe arrumasse a cama no quarto dele, Eurípedes, embora preferisse,
habitualmente, ter o seu aposento separado.
Nessas ocasiões, Eurípedes mantinha
porfiadas polêmicas a respeito da nova Doutrina, que estava dominando as
consciências em Santa Maria. Aspirava anular aquelas ideias do hóspede querido.
O que diziam das sessões de Santa Maria era muito borrascoso. Não entendia como
pessoas tão honestas e equilibradas, apesar de incultas, como tio Sinhô,
madrinha Sana e outros tios, empenhavam-se tanto na difusão daquela Doutrina do
demônio.
As discussões repetiam-se, no conflito
fraterno, entre tio e sobrinho, às vezes noite a dentro.
Eurípedes, senhor de invejável cultura
adquirida na leitura de todos os dias, apresentava argumentos brilhantes,
sublimados sempre por sua delicadeza inata.
Do outro lado, o tio – elementarmente
instruído pela Doutrina dos Espíritos – por sinal nascente na região –,
muitas vezes se mantivera em silêncio, à
falta de argumentação segura.
Justificavam-se, assim, as vitórias de Eurípedes nesses duelos desiguais,
em que se entrechocavam diferentes pontos de vista religiosos.
No começo de 1903, tio Sinhô visitara a
família de Meca, numa tarde morna sacramentana.
Como sempre, Eurípedes recebera-o com sinceras demonstrações de júbilo.
À noite, como de costume, o moço iniciara
a conversa:
– Como é, tio Sinhô, as sessões continuam?
– Nada mudou. Antes o trabalho cresce,
porque a dor aumenta a cada dia.
A resposta singela do bom companheiro
penetrara o coração sincero do moço.
O
tio parecia dominado por estranho poder de persuasão. Dir-se-ia a antecipação
de um triunfo, há muito sonhado.
À primeiras investidas do sobrinho,
mostrou-se sóbrio. Para que falar? Ainda se Eurípedes fosse ouvi-lo e aos
outros médiuns de Santa Maria... Ali, sob a ação benfazeja de espíritos
protetores, se elucidariam tantos assuntos que, normalmente, lhes seria
impossível fazê-lo.
Mas, viera armado, sob a inspiração do
alto.
Naquela noite, Eurípedes esforçava-se –
mais que de costume – por envolver o tio nas malhas de brilhante argumentação.
Quando o moço terminou a peroração, tio
Sinhô retira do bolso da casaca um livro e lhe coloca nas mãos, e torna com
simplicidade característica:
– O que não posso explicar a você, este
livro vai fazer, em parte, por mim.
Eurípedes tomou o volume e abriu-o na
primeira página. Era a tocante dedicatória do autor – o filósofo francês Léon
Denis – para entidades benfeitoras que o haviam inspirado, no esquema e na
estrutura do livro.
– Isto é muito bonito e profundo – diz
Eurípedes – espelhando no olhar brando indisfarçável interesse.
Tio Sinhô acomodara-se, algo cansado.
No outro lado, o sobrinho começara a
leitura, já a luz frouxa de um lampião de querosene.
O tio acordara, algumas vezes, e
surpreendera o sobrinho ainda a ler.
Ao dealbar o dia imediato, o moço brindou
o coração do bom Mariano da Cunha com alegre exclamação:
– Muito obrigado, meu tio! Isto é um
monumento!
Eurípedes lera toda a obra naquela noite
memorável e confessava-se plenamente empolgado com a lógica expressivamente
convincente do autor. Trezentas e trinta e quatro páginas repletas de
interesse.
O livro trazia o título: Depois da Morte. Era a primeira obra do
grande filósofo, traduzida recentemente para o idioma português, e que merecera
da crítica francesa as mais elogiosas referências.
Horas depois, Eurípedes procurou a
mãezinha e avisou-a que passaria a manhã, no alto da cidadezinha – seu retiro
predileto para as leituras queridas.
A manhã apresentava clara, uma brisa amena
brincava nas árvores frutíferas dos quintais.
Eurípedes atravessou, com passo estugado e
firme, parte da Avenida Municipal até a estreita pontezinha de madeira sobre o
Borá, ponto limítrofe entre os dois bairros centrais da cidade.
Daí, apanhou a Rua do Rosário, cortou o
pasto de propriedade do Sr. Antonio Fidelis Borges (Tonico Buta) e atingiu
finalmente o Bela Vista, um dos
outeiros aprazíveis da cidade. Algumas árvores seculares enriqueciam a
paisagem, ao lado de uma fonte generosa. A poucos passos erguia-se um muro de
pedras – reminiscência triste do braço escravo.
Sob a fronde amiga de uma árvore de óleo, Eurípedes entregou-se à
leitura do livro, que o impressionara profundamente, na noite anterior.
O céu azul, o painel natural a estender-se
em volta, tudo era um convite à compreensão mais profunda do pensamento do
autor.
Ah, como venerava o Criador do Mundo e dos
Seres!
Deus – eis o tema emocional de Eurípedes,
em todos os tempos. Pronunciava-lhe o Nome com sagrado tremor nos lábios e
divina marca de lágrimas nos olhos suaves.
Ao contato com a natureza, o perfume do
entendimento penetra-lhe as fibras mais íntimas.
Relê as páginas portentosas.
Reacende-se-lhe o entusiasmo, que transformara a noite anterior na bela noite
de vigília, que lhe fora dado experimentar, até então.
Expande-se a luz adormecida na lâmpada do
coração. E, aos poucos toma-lhe conta dos sentidos, do ser íntimo. É um momento
divino de integração com o Pai.
Compreende, então, que a humanidade sempre
recebeu o amparo divino. Em todas as épocas, no curso das civilizações, a palavra orientadora jamais deixou órfã a
criatura terrena. Desde os Vedas, na Índia; Pitágoras, diante do espaço e dos
mundos e a expansão da vida universal; os Druidas, na Gália, promovendo o
sublime trabalho da espiritualização das criaturas; Sócrates e Platão
popularizando os princípios de Pitágoras; o Cristianismo marcado por revelações
sublimes.
Eurípedes acompanha o descerrar do
misterioso pórtico, que apenas um reduzido número de iniciados alcançaram.
O hermetismo orientalista abre finalmente
as comportas milenares.
O Espiritismo – represa de luz – franqueia
os diques, abre as comportas, a fim de que o entendimento humano se inteire,
dessedentando-se para sempre nas catadupas generosas.
É o Consolador Prometido a espargir as
belezas eternas, sem simbolismo, nem alegorias, nem mistérios sutis.
Abertamente.
Cai, enfim, o véu dos templos e dos
santuários.
As horas correm.
Lá embaixo, a cidade já se levantou
preguiçosa.
O jovem continua a leitura
página-a-página. As lições caem-lhe no espírito ávido com naturalidade. Sem os
atropelos da dúvida.
A segunda parte do livro arranca-lhe
incontidas lágrimas de emoção.
Jamais sentira em autor algum a alta
significação do amor e da sabedoria de Deus.
“Jamais vi alguém cantar as glórias da
criação com tamanha profundidade e beleza.”
Estas palavras de Eurípedes numerosas
vezes repetidas, expressam-lhe o grande respeito votado à obra de Léon Denis.
Na literatura religiosa, que folheava
frequentemente, nunca, até então, encontrara um cérebro que exprimisse a
magnificência da obra divina, com o brilho e a profundidade desse autor.
Com a força suave e bela da poesia, o
filósofo estrutura novo e racional sentido para os atributos de Deus.
Quando desceu o morro verdejante,
Eurípedes revivia os primeiros arrebatamentos, que a literatura espírita lhe
proporcionava e que se repetiriam, no futuro, pelas mãos fraternas de “tio
Sinhô”.
Eurípedes sentia, cada vez mais forte, a
recrudescência da sede de novos conhecimentos em torno do Espiritismo.
Na primeira década do século, a divulgação
espírita era ainda bastante precária. Além do Reformador, lançado pela Federação Espírita Brasileira, em 1883,
alguns poucos jornais doutrinários circulavam no país, dentre os quais dois ou
três chegavam a Santa Maria, por visitantes.
Reformador
e outros periódicos vinham a Santa Maria por visitantes fraternos, oriundos
especialmente de São Paulo e Rio de Janeiro.
Desse modo, tio Sinhô fazia chegar a
Eurípedes o reduzido material de propaganda da Doutrina Espírita, então
existente.
Na companhia de José Martins Borges, o
moço lia e comentava importantes editoriais, artigos e crônicas, em que
jornalistas abalizados deixavam a palavra nova, abrindo novos caminhos ao
entendimento espiritual das criaturas.
Profundamente abalado em suas convicções
católicas e leal à sinceridade de seu espírito, restringiu sua presença na
igreja a poucos ofícios.
Já não era o mesmo assíduo frequentador
dos cultos religiosos.
O fato começava a despertar apreensões no
seio da família do moço e do clero...
Eurípedes ia às quintas-feiras a Conquista
para efetuar a escrituração da casa comercial de seu pai, naquela localidade.
Lá encontrava com frequência a sua querida
madrinha Sana, que se abalava de Santa Maria para pequenas compras ou mesmo
para se avistar com o afilhado.
Nos diálogos fraternos entre ambos sempre houve
espaço para uma indagação:
– Então, Madrinha, como vão as almas do
outro mundo?
D. Emerenciana Mendonça fora a fiel
intérprete, que reportava junto a Eurípedes,
o movimento espírita de Santa Maria.
Desde os assobios e pedradas, que muito
preocupavam a Eurípedes, até as extraordinárias sessões, em que médiuns
semi-analfabetos discorriam com sabedoria e eloquência sobre o Evangelho.
– Você precisa assistir às nossas
reuniões, meu filho. Os espíritos estão falando pelo Jason e pelo Aristides,
explicando o Evangelho, fazendo todos chorar como nos tempos de Jesus.
O convite carinhoso da Madrinha Sana,
naquela altura dos acontecimentos, era muito oportuno.
O moço prometeu aparecer qualquer dia em
Santa Maria para ver de perto como funcionavam problemas tão transcendentes.
Na realidade, Eurípedes reservava dúvidas
a respeito da comunicabilidade dos espíritos.
Após despedir-se da bondosa madrinha Sana,
a quem se ligava por estreitos laços de confiança e ternura, o moço ficou
entregue a íntimas cogitações.
De que forma homens incultos – sinceros e
bons, sem dúvida – como Aristides, podiam influenciar as massas com arroubos de
sabedoria?
Na sexta-feira da paixão do ano de 1904,
Eurípedes convida seu amigo José Martins Borges para irem ambos assistir a uma
sessão espírita, em Santa Maria.
Para não causar preocupação aos pais,
saíra na véspera, como de costume, para desincumbir-se de suas tarefas de
escriturário, na loja do Sr. Mogico, em Conquista, avisando à mãe, que só
voltaria no dia seguinte, à noite.
As reuniões se desenvolviam em horário da
tarde. Os dois amigos chegaram à povoação, provavelmente, antes das 14 horas.
A povoação está situada num ligeiro
declive de terreno cercada de outeiros e serras, que embelezam sobremaneira o
panorama natural.
Três dezenas de casas espalhavam-se,
algumas relativamente distanciadas das outras. Mas, seus moradores achavam-se
ligados por grande afinidade no trabalho, que ali realizavam com persistência
admirável.
O proprietário da fazenda, católico praticante,
porém, portador de avançada compreensão, havia doado aos espíritas um alqueire
de terras para a edificação do Centro Espírita.
Somente algum tempo após os acontecimentos
ora relatados, é que a sede do Centro ficara pronta.
Eurípedes e o companheiro chegaram a Santa
Maria, com o objetivo de observar tudo ao vivo.
Deixaram os animais presos a porta de
residência modesta de José Mariano da Cunha, onde se realizavam provisoriamente
as reuniões.
Entraram no recinto, respeitosos. Os trabalhos
já haviam iniciado.
O secretário lia um trecho do Evangelho,
que se relacionava com a paixão de Cristo.
A pequena sala achava-se totalmente lotada.
Duas alas de tamboretes e bancos rústicos e baixos, alongavam-se em toda
extensão da sala.
Ali se achavam os médiuns de incorporação
e curadores e ainda irmãos idôneos, que formavam a linha de sustentação
vibratória.
Os médiuns de recepção e os curadores
intercalavam-se na linha.
Todos os lugares ocupados. Atrás da linha,
onde se encontrava o médium Aristides Ferreira da Cunha, situavam-se dois
lugares desocupados, providencialmente, à espera dos dois visitantes.
Ambos tomaram assento. Eurípedes
acompanhou a leitura com atencioso respeito e interesse.
Em seguida, tomou parte na oração do
presidente, com a mesma posição íntima.
Tudo era-lhe novo e surpreendente. Nunca
se sentira tão vibrátil, em outras ocasiões, nos ofícios religiosos que tomara
parte.
Todavia, admirava-se de ver homens
incultos assumirem a grande responsabilidade da difusão do Evangelho do Senhor.
Um pensamento vibrava-lhe na mente...
resolve fazer o seu pedido e fá-lo mentalmente, com unção:
– Tudo compreendi na Bíblia. Mas o meu
entendimento está fechado para as bemaventuranças. Se é verdade que os
espíritos se comunicam com os vivos, rogo a João Evangelista elucide-me pelo
médium Aristides.
Alguns minutos após, Eurípedes ouvia a
mais “extraordinária dissertação filosófico-doutrinária, que jamais conhecera,
em toda sua vida, sobre o luminescente discurso de Jesus”, por intermédio do intérprete solicitado¹.
¹Afirmação
do próprio Eurípedes, em diversas ocasiões.
Impossível atribuir a Aristides, semi-analfabeto,
aquela linguagem sublime, onde o magnetismo de poderosa eloquência empolgava
até as lágrimas os circunstantes.
Eurípedes, na sua sensibilidade acurada,
tomava-se, sem entender, do “élan” envolvente de vibrações magnéticas, que se
desprendiam da natureza espiritual da entidade comunicante.
A alocução clara e persuasiva, elucidando
problemas do espírito – no quadro das causas e efeitos –; da vida além-túmulo,
salientando as possibilidades do trabalho, nos roteiros do aprendizado maior,
da multiplicidade das existências no imenso painel do progresso espiritual,
tudo deixara Eurípedes altamente impressionado.
Sabe agora que o Sermão do Monte resume a
doutrina do Cristo.
Mas, somente a lógica do Espiritismo para
conduzir o entendimento humano a essa conclusão lógica e racional.
Ao
final da luminosa exposição, a entidade assinala sua identidade com o selo
vibrante de fraterna saudação:
Paz!
João Evangelista
O
moço compreendia, finalmente, o mais perfeito código de consolações, que ao
mundo fora dado receber.
Esbarrava-se com a tangente de ouro pela
qual caíram-lhe todas as dúvidas: a comunicabilidade dos espíritos é um fato a
que não se pode opor objeções.
A sala humilde transforma-se, de repente,
em repositório tangível de magnetismo, que a tudo envolve e felicita.
O momento é de sublime significação.
Espíritos de elevada hierarquia, oriundos de regiões espirituais superiores –
dentro de poderoso teledinamismo, que estamos muito longe de entender – tocam
de sabedoria a boca do simples campônio.
O fato não fora obra do acaso, como não
fora obra do acaso a explosão mediúnica do colégio apostólico de Jesus, no
pentecostes.
Todavia, a perplexidade do jovem proveio
do fato de que a Doutrina Espírita é a lógica
dos fatos – e não de simples código filosófico, conforme percebia
claramente ali.
O primeiro contato com a experimentação
fora um festim divino. Seu espírito penetrante já da profunda visão psíquica –
que haveria de iluminar-lhe o ideal – sente que a inspiração jorra de planos
mais alto sobre a humanidade. Vê os laços, que não se quebram com a morte,
entre os vivos e os desaparecidos na tumba.
Mais tarde compreenderia, com mais alta
emoção a tarefa da donzela de Domrémy.
Não havia diferença entre a singela flor,
que desconhecia as grandezas humanas – e, no ambiente campezino, também
ignorava as maldades do mundo – e esses homens dados a misteres da lavoura.
Totalmente inscientes das ciências da terra.
Com Denis, Eurípedes percebe, naquela
primeira reunião de intercâmbio com o plano espiritual que “misteriosos fios
ligam todas as almas e, mesmo neste mundo, as mais sensíveis vibram ao ritmo da
vida universal”.
Apesar de estar conscientemente seguro das
verdades, que a Doutrina Espírita projeta no espírito, Eurípedes não havia
deixado a igreja, embora a deserção gradativa se fizesse mais sentida no
consenso geral. Houve críticas acerbas. Os companheiros de crença não se
conformavam com a restrição inexplicável com relação a assiduidade do moço aos
cultos religiosos.
Embora ignorassem os reais motivos da
situação, os Padres da paróquia de Sacramento e o Bispo da Diocese de Uberaba
demonstraram sua preocupação a respeito.
Eurípedes revelara-se sempre um exemplo de
eficiência e de devotamento nos serviços da paróquia.
Urgiam medidas para deter a fuga
incompreensível...
Enquanto a grei romana assediava o moço
com advertências e solicitações, Eurípedes recebia um convite de tio Sinhô para
assistir a uma sessão ordinária no Centro fé e Amor.
Eurípedes estimava a oportunidade de
voltar ao núcleo de espíritas, onde fora tocado no mais fundo de seu espírito,
dias atrás.
Quem poderia aquilatar a amplidão das
lutas íntimas daquela personalidade singular, ante o impositivo de quebrar os
derradeiros laços com a igreja?
Eurípedes retorna, dias após, ao grupo
fraterno de Santa Maria. Pela segunda vez assistiria a uma sessão espírita.
Quando os médiuns constituíram a corrente
vibratória para o tratamento de enfermos presentes, Eurípedes permanecera de
pé, atrás da fila de passistas.
Observava as atividades com unção quase
mística.
Tio Sinhô funcionava como médium de
recepção. Totalmente inconsciente, nos transes sonambúlicos, o médium transmite
inicialmente, a palavra serena e orientadora de Adolfo Bezerra de Menezes. A
entidade comunicante convida Eurípedes a tomar parte da linha, afirmando suas
faculdades curadoras.
O moço obedece, confiante.
Participando da corrente vibratória, sem
saber como agir, ora fervorosamente, no silêncio mais profundo da alma, a favor
dos enfermos presentes.
Seguindo-se a Bezerra de Menezes, fala o
benfeitor São Vicente de Paulo.
O grande apóstolo da Caridade, após
saudação, ungida de amor, dirigi-se a Eurípedes lembrando que o moço era
presidente de uma congregação religiosa, que lhe trazia o nome – Vicente de
Paulo.
Com mansa serenidade característica, o
pai dos órfãos passa a elucidar sobre as finalidades fundamentais de uma
instituição, que se assenta em bases cristãs. E adverte que a casa que
Eurípedes servia com zelo e desprendimento, há anos, não comportava o espírito
do Cristo, na dilatação dos serviços.
Horizontes muito vastos se abririam ante
seu coração ávido de serviços edificadores.
Ao término da mensagem elucidativa,
Vicente de Paulo confia ao moço uma revelação de alto sentido emocional para
Eurípedes: era o seu guieiro espiritual, desde o berço.
“Abandone, sem pesar e sem mágoa o seu
cargo na congregação. Convido-o a criar
outra instituição, cuja base será Cristo e cujo diretor espiritual serei
eu e você o comandante material. Afaste-se de vez da Igreja.
Quando você ouvir o espoucar dos fogos, o
repicar dos sinos ou o som das músicas sacras não se sinta magoado, nem
saudoso, porque o Senhor nos oferece um campo mais amplo de serviços e nos
conclama à ação dinamizadora do Amor.
Meu filho, as portas de Sacramento vão
fechar-se para você. Os amigos afastar-se-ão. A própria família revoltar-se-á.
Mas, não se importe. Proclame sempre a verdade. Porque, a partir desta hora, as
responsabilidades de seu espírito se ampliaram ilimitadamente.”
E conclui o luminoso guia: “Você
atravessará a rua da amargura, com os amigos a ridicularizarem uma atitude que
não podem compreender.”
Eurípedes volta à cidade. O coração
banha-se-lhe de claridades novas e de sublimes resoluções.
O
primeiro ato de coragem, no retorno à cidade fora cortar os laços, que o
prendiam à Irmandade São Vicente de Paulo.
Os membros da Congregação vicentina
receberam estarrecidos a decisão de Eurípedes.
Ninguém acreditava. Tudo podia ser a
resultante de mal-entendidos prováveis, tão comuns no seio das Congregações...
Rogam ao moço uma explicação para a sua
surpreendente conduta.
Eurípedes atende-os.
Narra com simplicidade os acontecimentos,
que lhe marcaram novos rumos à vida.
Uma bomba inesperada não produziria os
efeitos de pânico e revolta, que aquela profissão de fé inamovível lançara.
Os antigos companheiros exclamavam, fora
de si:
– Você está louco! O Espiritismo é fábrica
de loucos! Você está louco!
Eurípedes replicava, sereno:
– Bendita loucura, que tem o discernimento
necessário para distinguir o erro da verdade. Para trocar o engodo pela
realidade do espírito.
Reunem-se, na ocasião, elementos
hierárquicos do Clero da Região, inclusive o Bispo de Uberaba, já citado, que
estimava muito Eurípedes pela dedicação do moço à Igreja.
Todos os esforços caem por terra. Nada
abala as novas convicções de Eurípedes.
A Igreja está cabisbaixa, aflita. Perde,
irremediavelmente, um de seus mais fiéis e sinceros prosélitos.
O Padre Augusto Teodora da Rocha Maia, sentindo-se culpado, por haver
involuntariamente, contribuído para a edificação das novas ideias, na mente do
moço – através do empréstimo da Bíblia – deixa-se envolver por entidades
trevosas, que o levam à “camisa de força”, totalmente possesso.
No plano invisível, adversários da luz,
agrupados em falanges, trabalhavam para colocar empecilhos no caminho de
Eurípedes.
A possessão do Padre Maia fora a primeira
manifestação, visando a tocar a sensibilidade do moço para uma possível
renúncia aos novos ideais doutrinários por ele esposados.
Quem sabe o fato viesse até a despertar os
ânimos populares contra Eurípedes?
De qualquer forma o acontecimento
traumatizou a muitos – dadas as qualidades que ornavam o caráter o Padre Maia.
Eurípedes sentiu o fato e orou pelo
excelente amigo. Mas permaneceu firme nos propósitos novos.
Enquanto a família consanguínea de
Eurípedes se fechava, envolvida nas malhas terríveis da incompreensão, que se
expressava por descabida revolta, os amigos – que totalizavam a população local
– avançavam em demonstrações hostis, murmurando à sua passagem em qualquer
ponto da cidade: O Professor está louco! O Professor está louco!
O setor educacional sofrera rude golpe.
Os companheiros de magistério, no Liceu
Sacramentano, abandonaram seus cargos.
O mobiliário escolar fora retirado e o
prédio, onde funcionava o Liceu, requerido por seus proprietários.
Era a debacle dos sonhos do moço em torno
dos trabalhos, no campo da educação, que ele amava acima de tudo.
Aquele clima de inquietação geral
produzira efeitos negativos na sensibilidade mediúnica de Eurípedes, cuja
faculdades afloravam em extraordinários potenciais.
A elevada postura espiritual de Eurípedes,
todavia, permitia-lhe voos a regiões celestes, que o distanciavam dos lugares
comuns do cotidiano.
Desejoso de prender com o Cristo a divina
lição do Amor, o jovem missionário mantinha a constante da prece, buscando no
silêncio do recolhimento, o manancial de forças, que lhe garantiam o sublime
magnetismo.
Sentindo-se desapontado em toda parte,
buscava os campos próximos da cidade com o Evangelho Segundo o Espiritismo à
mão. E lia, muitas vezes, as lições do Senhor em voz alta, como se quisesse
fixar detidamente em si as luzes do cristianismo redivivo, sentindo-se
favorecido pelo silêncio da natureza, tão somente cortado de quando em quando pelo
trino das aves e pela voz acalentadora dos rebanhos.
Os cerrados dos campos dos Palhares eram
muito procurados por Eurípedes, nessas ocasiões.
Os moradores dos sítios locais viram-no
várias vezes por lá.
D. Maria Fernandes de Matos, residente em
Sacramento, em importante entrevista que nos concedeu, acentuou que ele não
tinha nenhum aspecto, que suscitasse estranheza.
Por outro lado, a mãezinha sofria o
assédio da falange espiritual inferior, que procurava por todos os meios e
formas destruir a obra da verdade, nascente em Sacramento.
Os companheiros de Santa Maria, orientados
pelo alto, conduziram Eurípedes e Meca para uma temporada de refazimento, no
ambiente adequado, que propiciaria a ambos a sustentação necessária aos grandes
e importantes trabalhos, que Eurípedes deveria desempenhar no campo da Doutrina
Espírita.
Por essa época, a família já residia na
casa da Rua Municipal, que se tornara o permanente domicílio do casal
Meca-Mogico.
Os novos serviços de Eurípedes atraiam
numerosas pessoas, em busca do socorro amigo, que as mãos do jovem
proporcionavam a todos, gratuitamente.
Como era de prever-se, Eurípedes
preocupava-se com o alvoroço, notadamente a mãe enferma.
Após amadurecer o plano de sua
transferência para outra casa, Eurípedes procurou os pais e confiou-lhes
respeitosamente as razões da iniciativa.
Como os progenitores o sabiam altamente
moralizado, compreenderam os objetivos do filho. O senhor Mogico felicitou-lhe
a concretização dos projetos, comprando a área, em que se localizava o prédio
escolhido para a nova residência de Eurípedes e transferiu-lhe esse terreno por
reduzido valor.
A casa, localizada na Rua Principal
exatamente no local, onde mais tarde se ergueram o Colégio Allan Kardec e o lar
de Eurípedes, era muito arejada, com vastos cômodos, bem distribuídos.
Por sua vez, o Dr. João Gomes Vieira de
Mello, antigo proprietário e ocupante da casa, proporcionou a esta os
requisitos de conforto simples, que a época comportava.
Desse modo, Eurípedes instalou-se, abrindo
suas acolhedoras portas à multidão de aflitos, que a fama de suas curas pela
terapêutica homeopática atraía.
Edalides revelou-nos em recente
entrevista, que Eurípedes trouxe carinhosamente para seu lar dois velhos sem
abrigo: o Prof. Inácio Martins de Mello e a septuagenária Eva, procedente de
Santa Maria.
Como se pode depreender, Eurípedes iniciou
muito jovem a sua missão junto aos sofredores e os Sábios Desígnios Divinos o
amparavam no campo material, indicando-lhe os caminhos do futuro que se
delineavam nos horizontes singulares de Servo de Jesus.
Na residência de Eurípedes, na Rua
Principal, hoje Avenida Visconde de Rio Branco, realizaram-se os primeiros
trabalhos mediúnicos, após sua conversão.
Os companheiros dessa fase inicial era um
casal: o taipeiro José Miguel e sua mulher Maria Joana.
Logo depois juntaram-se outros irmãos ao
grupo.
Essas sessões tinham por escopo o
desenvolvimento das faculdades mediúnicas de Eurípedes. Nelas se efetivou o
adestramento psicográfico do moço, sendo que no começo essa faculdade
apresentava-se com características de intuição consciente para depois assumir
disposições mecânicas.
Nessa época, Eurípedes fora eleito orador
oficial do Centro Espírita Fé e Amor, de Santa Maria, ensejando esse fato o
intercâmbio mais estreito entre os dois núcleos.
Tio Sinhô e seus companheiros tornaram-se
assíduos coadjuvantes dos trabalhos espirituais de Sacramento, prestando
importante coeficiente de serviços, notadamente, na primeira década do século.
A família de Eurípedes, apesar de
respeitar as decisões do moço, após um ano de conversão dele ao Espiritismo, já
se refizera do primeiro choque.
A mãezinha, porém, um dia, corre em busca
do filho, na residência deste, entrando logo ao que viera:
– Eurípedes, seu pai manda pedir-lhe que
queime esses livros espíritas. Porque ele não quer filho doido em casa...
– Meu pai conhece o Espiritismo?
Meca não entende a serena intervenção do
filho e prossegue:
– Dou-lhe recado de seu pai, simplesmente.
Só sabemos que o Espiritismo é arte do demônio. Você precisa abandonar essas
coisas, meu filho.
Havia muita ternura na quase queixa do
coração materno.
Naquele momento de singular troca de
vibrações afetivas, o filho acercara-se de Meca, enlaçando-a, todo carinhoso.
E derrama-lhe no coração querido a ânfora
de consolações racionais, que a Doutrina dos Espíritos oferece.
Ela ouviu o filho, com enlevo e admiração.
Penetrou-lhe a firme coragem, que o levara a modificar convicções e hábitos.
O doce coração de Meca ia recolhendo as
lições doutrinárias tão importantes. Sem surpresas. Com naturalidade. Como o
filho, seu espírito, muito avançado em experiências pretéritas, achava-se
preparado para receber as verdades novas.
Apenas aguardava, sem o saber, o momento
psicológico de acolher a semente, cujas energias latentes haveriam de germinar
poderosamente.
E aquela mulher corajosa, horas depois,
chega-se ao marido, confia-lhe ao coração, tocada de sublime determinação, a
grande notícia:
– Mogico, eu sou espírita!”
Eurípedes o Homem e a Missão – 8 a 11.
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Senhor!
Sabemos
nós que nos disseste:
“Amai-vos
uns aos outros,
Tal
qual eu vos amei.”
Todos
estamos certos quanto a lei.
Que
em ti refulge sob a luz celeste,
A
luz do eterno amor!
Entretanto,
Senhor,
Os
nossos raciocínios
De
fé e aceitação
Sempre
desaparecem no barulho
Da
vaidade e do orgulho
Em
que nos mergulhamos com frequência,
Ensombrando
a existência
Ao recusar-te o coração
É
por isso, Jesus,
Que
te rogamos luz
Para
rever-te a vida e escutar-te os chamados
Nos
companheiros desesperançados,
Nos
últimos das filas
Das
multidões cansadas e intranquilas
De
que passamos ao redor,
Das
quais nos chamas à cooperação
Por
um mundo melhor.
Sabemos
que nos falas
Através
das crianças desnutridas,
Das
mães que lutam por alimentá-las,
Dos
enfermos que esperam
A
vaga do hospital,
Dos
irmãos outros de outros sanatórios,
Daqueles
nosocômios diferentes,
Onde
a justiça guarda os corações doentes
Que
pulsaram no bem, vezes e vezes.
E atiraram-se ao mal...
Temos
nós a certeza
De
que nos buscas, dia-a-dia.
Nos
que esmorecem de tristeza,
Dos
que se vão na estrada escura e fria
Da
deserção que os desconforta,
Naqueles
cujo peito
Inda
nutre a esperança quase morta,
De
pés sangrando no caminho
Das
grandes provações...
Conhecemos
a luta em que te pões,
Pedindo-nos
concurso e entendimento,
A
fim de atenuar o sofrimento
De
tantos corações
Atolados
na sombra de velhos climas
De
rebeldia, angústia e indiferença,
Companheiros
dos quais nos aproximas
Agora
e em toda parte,
A
fim de interpretar-te
A
divina presença.
É
por isto, Senhor, que te imploramos:
Faze-nos
olvidar as bagatelas
Entre
os quais nos perdemos...
Arreda-nos
do passo todas elas
De
modo que possamos entender
O
serviço contigo por dever.
Ajuda-nos,
Senhor,
A
lembrar-te e a esquecer
Tudo
quanto se ligue a pensamento vão,
Para
que o nosso amor jamais se torça,
Porque
somente em ti, Jesus, existe a força
Que
nos leva a entregar-te o coração.
Maria Dolores
Na
Hora do Testemunho – 14.
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“Em resumo, sobre esse ponto capital da teologia cristã, assim como Deus, em seu poder Criador, tira as almas do nada, as tríades não se pronunciam de maneira precisa. Depois de terem revelado Deus em sua esfera eterna e inacessível, elas mostram simplesmente as almas originando-se nas camadas mais profundas do Universo, no abismo (annoufn); daí passam para o círculo das migrações (abred), onde seu destino é determinado através de uma série de existências, conforme o bom ou mau uso que hajam feito de sua liberdade; e, por fim, elevam-se ao círculo supremo (gwynfyd), onde as migrações cessam, onde não mais se morre e onde a vida transcorre em completa felicidade, em tudo conservando sua atividade perpétua e a plena consciência de sua individualidade. Seria preciso, com efeito, que o druidismo caísse no erro das teologias orientais, que levam o homem a ser finalmente absorvido no seio imutável da Divindade, porquanto, ao contrário, distingue um círculo especial, o círculo do vazio ou do infinito (ceugant), que forma o privilégio incomunicável do Ser supremo e no qual nenhum ser, seja qual for o seu grau de santidade, jamais poderá penetrar. É o ponto mais elevado da religião, visto marcar o limite fixado ao progresso das criaturas.
“O traço mais característico dessa teologia, se bem seja um traço puramente negativo, consiste na ausência de um círculo particular, tal qual o Tártaro da Antiguidade pagã, destinado à punição sem fim das almas criminosas. Entre os druidas, o inferno propriamente dito não existe. A seus olhos, a distribuição dos castigos efetua-se, no círculo das migrações, pelo comprometimento das almas em condições de existência mais ou menos infelizes, onde, sempre senhoras de sua liberdade, expiam suas faltas pelo sofrimento e se predispõem, pela reforma de seus vícios, a um futuro melhor. Em certos casos pode mesmo acontecer que as almas retrogradem até aquela região do annoufn, onde se originam e à qual quase não se pode dar outro significado senão o da animalidade. Por esse lado perigoso (a retrogradação), que nada justifica, visto que a diversidade das condições de existência no círculo da Humanidade é perfeitamente suficiente à penalidade de todos os graus, o druidismo teria, então, chegado a resvalar até a metempsicose. Mas esse extremo deplorável, ao qual não conduz nenhuma necessidade da doutrina do desenvolvimento das almas pela vida das migrações, como se verá pela série de tríades relativas ao regime do círculo de abred, parece ter ocupado, no sistema da religião, apenas um lugar secundário.
“Salvo algumas obscuridades, que talvez resultem de uma língua cujas sutilezas metafísicas não nos são ainda bem conhecidas, as declarações das tríades relativas às condições inerentes ao círculo de abred espargem as mais vivas luzes sobre o conjunto da religião druídica. Respira-se aí um sopro de superior originalidade. O mistério que oferece à nossa inteligência o espetáculo de nossa existência atual adquire nela uma feição singular, que não se encontra em parte alguma; dir-se-ia que um grande véu, rompendo-se antes e depois da vida, permite à alma navegar, de repente, com uma força inesperada, através de uma extensão indefinida de que ela própria jamais suspeitou, em virtude de seu encarceramento entre as espessas portas do nascimento e da morte. Seja qual for o julgamento a que cheguemos, quanto à verdade dessa doutrina, não podemos deixar de convir que é poderosa. Refletindo sobre o efeito que esses princípios inevitavelmente deviam produzir sobre as almas ingênuas, sua origem e seu destino, é fácil dar-se conta da imensa influência que os druidas haviam naturalmente adquirido sobre o espírito de nossos antepassados. Em meio às trevas da Antiguidade, esses ministros sagrados não podiam deixar de aparecer, aos olhos das populações, como os reveladores do Céu e da Terra.”
Revista Espírita 04/1858 – O Espiritismo entre os Druidas.
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– Entretanto - objetei -, seria interessante colher notícias dos nossos amados em trânsito na Terra. Não daria isso mais tranquilidade à alma?
Lísias, que permanecia junto ao receptor, sem ligá-lo, como interessado em me fornecer explicações mais amplas, acrescentou:
– Observe a si mesmo, a fim de ver se valeria a pena. Está preparado, por exemplo, para manter a precisa serenidade, esperando com fé e agindo com os preceitos divinos, em sabendo que um filho de seu coração está caluniado ou caluniando? Se alguém o informasse, agora, de que um dos seus irmãos consanguíneos foi hoje encarcerado como criminoso, teria bastante força para conservar-se tranquilo?
Sorri, desapontado.
– Não devemos procurar notícias dos planos inferiores - prosseguiu, solícito - senão para levar auxílios justos. Convenhamos, porém, que a criatura alguma auxiliará com justiça, experimentando desequilíbrios do sentimento e do raciocínio. Por isso, é indispensável a preparação conveniente, antes de novos contatos com os parentes terrenos. Se eles oferecessem campo adequado ao amor espiritual, o intercâmbio seria desejável; mas esmagadora porcentagem de encarnados não alcançou, ainda, nem mesmo o domínio próprio e vive às tontas, nos altos e baixos das flutuações de ordem material. Precisamos, embora as dificuldades sentimentais, evitar a queda nos círculos vibratórios inferiores.
Contudo, evidenciando minha teimosia caprichosa, indaguei:
– Mas, Lísias, você que tem um amigo encarnado, qual seu pai, não gostaria de comunicar-se com ele?
– Sem dúvida - respondeu bondosamente -, quando merecemos essa alegria, visitamo-lo em sua nova forma, verificando-se o mesmo, quando se trata de qualquer expressão de intercâmbio entre ele e nós. Não devemos esquecer, entretanto, que somos criaturas falíveis. Necessitamos, pois, recorrer aos órgãos competentes, que determinem a oportunidade ou o merecimento exigidos. Para esse fim, temos o Ministério da Comunicação. Acresce notar que, da esfera superior, é possível descer à inferior com mais facilidade. Existem, contudo, certas leis que mandam compreender devidamente os que se encontram nas zonas mais baixas. É tão importante saber falar como saber ouvir. "Nosso Lar" vivia em perturbações porque, não sabendo ouvir, não podia auxiliar com êxito e a colônia transformava-se, frequentemente, em campo de confusão.”
Nosso Lar - 23.
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“Padre. — Dissestes que o Espiritismo não discute os dogmas, e, entretanto, ele admite certos pontos combatidos pela Igreja, tais como, por exemplo, a reencarnação, a aparição do homem na Terra, antes de Adão; nega a eternidade das penas, a existência dos demônios, o purgatório e o fogo do inferno.
Allan Kardec — Já de há muito que esses pontos estão sendo discutidos; não foi o Espiritismo quem os pôs em litígio; são pontos sobre alguns dos quais há controvérsia, mesmo entre os teólogos, e que só o futuro julgará. Um grande princípio domina a todos: a prática do bem, que é a lei superior, a condição sine qua non do nosso futuro, como no-lo prova o estado dos Espíritos que conosco se comunicam.
Enquanto a luz não se faz para vós sobre essas questões, crede, se o quiserdes, nas chamas e torturas materiais, se julgais que isso impede que pratiqueis o mal; essa crença, porém, não as tornará mais reais se elas não existirem.
Acreditais que não temos mais de uma existência corporal, mas isto não impede de renascerdes aqui ou em outra parte, se assim tiver de ser, apesar de o não quererdes; credes que o mundo todo foi criado em seis vezes vinte e quatro horas, mas, apesar disso, a Terra nos apresenta a prova do contrário, escrita em suas camadas geológicas; estais convencido de haver Josué feito parar o Sol, o que não dá lugar a que deixe de ser a Terra que gira; dizeis que a data da vinda do homem à Terra não vai além de 6.000 anos: isto, porém, não priva que os fatos vos contradigam. E que direis se um dia a Geologia demonstrar, por traços patentes, a anterioridade do homem, como já tem demonstrado tantas outras coisas?
Crede, pois, em tudo que vos aprouver, mesmo na existência do diabo, se tal crença vos puder tornar bom, humano e caridoso para com os vossos semelhantes. O Espiritismo, como doutrina moral, só impõe uma coisa: a necessidade de fazer o bem e evitar o mal. É uma ciência de observação que, repito, tem consequências morais, que são a confirmação e a prova dos grandes princípios da religião; quanto às questões secundárias, ele as abandona à consciência de cada um.
Notai bem, reverendo, que alguns dos pontos divergentes de que acabastes de falar, não são, em princípio, contestados pelo Espiritismo. Se tivésseis lido tudo quanto tenho escrito a respeito, teríeis visto que ele se limita a dar-lhes uma interpretação mais lógica e racional do que a que vulgarmente se lhes dá.
É assim, por exemplo, que ele não nega o purgatório; antes, pelo contrário, demonstra sua necessidade e justiça; vai mesmo além: ele o define. O inferno foi descrito como imensa fornalha, mas ele será assim também compreendido pela alta teologia? Evidentemente, não; ela diz muito bem que isto é uma simples figura; que o fogo que ali se consome é um fogo moral, símbolo das maiores dores. Quanto à eternidade das penas, se fosse possível pôr-se a votos tal questão, para se conhecer a opinião íntima de todos os homens que raciocinam e se acham no caso de compreendê-la, mesmo entre os mais religiosos se veria para que lado penderia a maioria, porque a ideia de uma eternidade de suplícios é a negação da infinita misericórdia de Deus.
Eis, demais, o que avança a Doutrina Espírita a tal respeito:
A duração do castigo é subordinada ao melhoramento do Espírito culpado. Nenhuma condenação por tempo determinado é pronunciada contra ele. O que Deus exige, para pôr um termo aos sofrimentos, é o arrependimento, a expiação e a reparação; em uma palavra, um melhoramento sério e efetivo, uma volta sincera ao bem. O Espírito é assim o árbitro de sua própria sorte; sua pertinácia no mal prolonga-lhe os sofrimentos; seus esforços para fazer o bem os minoram ou abreviam. Sendo a duração da pena subordinada ao arrependimento, o Espírito culpado, que não se arrependesse e nunca se melhorasse, sofreria sempre, e para ele então a pena seria eterna. Essa eternidade de penas deve ser entendida no sentido relativo e não no absoluto. Uma condição inerente à inferioridade do Espírito é não ver o termo da sua situação e crer que há de sofrer sempre — o que é para ele um castigo. Desde que, porém, sua alma se abra ao arrependimento, Deus lhe faz entrever um raio de esperança.
Esta doutrina é, por certo, mais conforme à justiça de Deus, que pune, enquanto o culpado persiste no mal, e concede-lhe graça desde que ele volte ao bom caminho. Quem imaginou essa teoria? Seríamos nós?
Não; são os Espíritos que a ensinam e provam, pelos exemplos que diariamente nos fornecem. Os Espíritos não negam, pois, as penas futuras, pois que são eles mesmos que nos vêm descrever seus próprios sofrimentos; e este quadro nos toca mais que o das chamas perpétuas, porque tudo nele é perfeitamente lógico. Compreende-se que isto é possível, que assim deve ser, que essa situação é uma consequência natural das coisas; o pensador filósofo pode aceitá-lo, porque nele nada repugna à razão. Eis por que as crenças espíritas têm conduzido ao bem muita gente, mesmo entre os materialistas, aos quais não fazia mossa o medo do inferno, como lhes era pintado.”
O Que é o Espiritismo - 64.
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237. Uma vez de volta ao mundo dos Espíritos, conserva a alma as percepções que tinha quando na Terra?
“Sim, além de outras de que aí não dispunha, porque o corpo, qual véu sobre elas lançado, as obscurecia. A inteligência é um atributo, que tanto mais livremente se manifesta no Espírito, quanto menos entraves tenha que vencer.”
238. São ilimitadas as percepções e os conhecimentos dos Espíritos? Numa palavra: eles sabem tudo?
“Quanto mais se aproximam da perfeição, tanto mais sabem. Se são Espíritos superiores, sabem muito. Os Espíritos inferiores são mais ou menos ignorantes acerca de tudo.”
239. Conhecem os Espíritos o princípio das coisas?
“Conforme a elevação e a pureza que hajam atingido. Os de ordem inferior não sabem mais do que os homens.”
240. A duração, os Espíritos a compreendem como nós?
“Não e daí vem que nem sempre nos compreendeis, quando se trata de determinar datas ou épocas.”
Os Espíritos vivem fora do tempo como o compreendemos. A duração, para eles, deixa, por assim dizer, de existir. Os séculos, para nós tão longos, não passam, aos olhos deles, de instantes que se movem na eternidade, do mesmo modo que os relevos do solo se apagam e desaparecem para quem se eleva no espaço.
241. Os Espíritos fazem do presente mais precisa e exata ideia do que nós?
“Do mesmo modo que aquele, que vê bem, faz mais exata ideia das coisas do que o cego. Os Espíritos veem o que não vedes. Tudo apreciam, pois, diversamente do modo por que o fazeis. Mas, também isso depende da elevação deles.”
242. Como é que os Espíritos têm conhecimento do passado? E esse conhecimento lhes é ilimitado?
“O passado, quando com ele nos ocupamos, é presente. Verifica-se então, precisamente, o que se passa contigo quando recordas qualquer coisa que te impressionou no curso do teu exílio. Simplesmente, como já nenhum véu material nos tolda a inteligência, lembramo-nos mesmo daquilo que se te apagou da memória. Mas, nem tudo os Espíritos sabem, a começar pela sua própria criação.”
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“A explicação dada do movimento dos corpos inertes se aplica naturalmente a todos os efeitos espontâneos a que acabamos de passar revista. Os ruídos, embora mais fortes do que as pancadas na mesa, procedem da mesma causa. Os objetos derribados, ou deslocados, o são pela mesma força que levanta qualquer objeto. Há mesmo aqui uma circunstância que apoia esta teoria. Poder-se-ia perguntar onde, nessa circunstância, o médium. Os Espíritos nos disseram que, em tal caso, há sempre alguém cujo poder se exerce à sua revelia. As manifestações espontâneas muito raramente se dão em lugares ermos; quase sempre se produzem nas casas habitadas e por motivo da presença de certas pessoas que exercem influência, sem que o queiram. Essas pessoas ignoram possuir faculdades mediúnicas, razão por que lhes chamamos médiuns naturais. São, com relação aos outros médiuns, o que os sonâmbulos naturais são relativamente aos sonâmbulos magnéticos e tão dignos, como aqueles, de observação.”
O Livro dos Médiuns - 92 .
Instruções dos Espíritos
“Que a paz do Senhor seja convosco, meus queridos amigos! Aqui venho para encorajar-vos a seguir o bom caminho.
Aos pobres Espíritos que habitaram outrora a Terra, conferiu Deus a missão de vos esclarecer. Bendito seja Ele, pela graça que nos concede: a de podermos auxiliar o vosso aperfeiçoamento. Que o Espírito Santo me ilumine e ajude a tornar compreensível a minha palavra, outorgando-me o favor de pô-la ao alcance de todos! Oh! vós, encarnados, que vos achais em prova e buscais a luz, que a vontade de Deus venha em meu auxílio para fazê-la brilhar aos vossos olhos!
A humildade é virtude muito esquecida entre vós. Bem pouco seguidos são os exemplos que dela se vos têm dado. Entretanto, sem humildade, podeis ser caridosos com o vosso próximo? Oh! não, pois que este sentimento nivela os homens, dizendo-lhes que todos são irmãos, que se devem auxiliar mutuamente, e os induz ao bem. Sem a humildade, apenas vos adornais de virtudes que não possuís, como se trouxésseis um vestuário para ocultar as deformidades do vosso corpo. Lembrai-vos dAquele que nos salvou; lembrai-vos da sua humildade, que tão grande o fez, colocando-o acima de todos os profetas.
O orgulho é o terrível adversário da humildade. Se o Cristo prometia o reino dos céus aos mais pobres, é porque os grandes da Terra imaginam que os títulos e as riquezas são recompensas deferidas aos seus méritos e se consideram de essência mais pura do que a do pobre. Julgam que os títulos e as riquezas lhes são devidos, pelo que, quando Deus lhos retira, o acusam de injustiça. Oh! irrisão e cegueira! Pois, então, Deus vos distingue pelos corpos? O envoltório do pobre não é o mesmo que o do rico? Terá o Criador feito duas espécies de homens? Tudo o que Deus faz é grande e sábio; não lhe atribuais nunca as ideias que os vossos cérebros orgulhosos engendram.”
O Evangelho Segundo o Espiritismo 7 - 11.
SRA. ANNA BELLEVILLE
“Jovem mulher falecida aos trinta e cinco anos de idade, após cruel enfermidade. Vivaz, espirituosa, dotada de inteligência rara, de meticuloso critério e eminentes qualidades morais; esposa e mãe de família devotada, ela possuía, ao demais, uma integridade de caráter pouco comum e uma fecundidade de recursos que a trazia sempre a coberto das mais críticas eventualidades da existência. Sem guardar ressentimento das pessoas de quem poderia queixar-se, estava sempre pronta a prestar-lhes oportuno serviço. Intimamente ligados à sua pessoa desde longos anos, pudemos acompanhar todas as fases da sua existência, bem como todas as peripécias do seu fim. Proveio de um acidente a moléstia que havia de levá-la, depois de a reter três anos de cama, presa dos mais cruéis sofrimentos, aliás suportados até ao fim com uma coragem heroica, e a despeito dos quais a graça natural do seu Espírito jamais a abandonou. Ela acreditava firmemente na existência da alma e na vida futura, mas pouco se preocupava com isso; todos os seus pensamentos se relacionavam com o presente, que muito lhe importava, posto não tivesse medo da morte e fosse indiferente aos gozos materiais. A sua vida era simples e sem sacrifício abria mão do que não podia obter; mas possuía inato o sentimento do bem e do belo, que apreciava até nas coisas mínimas.
Queria viver menos para si que para os filhos, avaliando a falta que lhes faria, e era isso que a prendia à vida. Conhecia o Espiritismo sem o ter estudado a fundo; interessava-se por ele, mas nunca pôde fixar as ideias sobre o futuro; este era para ela uma realidade, mas não lhe deixava no Espírito uma impressão profunda.
O que praticava de bom era o resultado de um impulso natural, espontâneo, sem ideia de recompensas ou de penas futuras.
De há muito era desesperador o seu estado e iminente o desenlace, circunstância que ela própria não ignorava. Um dia, achando-se ausente o marido, sentiu-se desfalecer e compreendeu que a hora era chegada; embaciando-se-lhe a vista, a perturbação a invadia, sentindo todas as angústias da separação.
Custava-lhe, contudo, a morte antes da volta do esposo. Fazendo supremo esforço sobre si mesma, murmurou: “Não, não quero morrer!”
Então sentiu renascer-lhe a vida e recobrou o uso pleno das suas faculdades. Quando o marido chegou, disse-lhe: “Eu ia morrer, mas quis aguardar a tua vinda, por isso que tinha algumas recomendações a fazer-te.” Assim se prolongou a luta entre a vida e a morte por três meses ainda, tempo que mais não foi que dolorosa agonia.
Evocação no dia seguinte ao da morte: — Meus bons amigos, obrigada pelo interesse que vos mereço; demais, fostes para mim como bons parentes. Pois bem, regozijai-vos porque sou feliz. Confortai meu pobre marido e velai por meus filhos. Eu segui logo para junto deles, depois que desencarnei.
— P. Podemos supor que a vossa perturbação não foi longa, uma vez que nos respondeis com lucidez.
— R. Ah! meus amigos, eu sofri tanto... e vós bem sabeis que sofria com resignação. Pois bem! a minha provação está concluída. Não direi que esteja completamente libertada, não; mas o certo é que não sofro mais, e isso para mim é um grande alívio! Desta feita estou radicalmente curada, porém, preciso ainda do auxílio das vossas preces para vir mais tarde colaborar convosco.
— P. Qual poderia ser a causa dos vossos longos sofrimentos?
— R. Um passado terrível, meu amigo.
— P. Podeis revelar-nos esse passado?
— R. Oh! deixai que o esqueça um pouco... paguei-o tão caro...”
O Céu e o Inferno 2ª - 3.
“As estrelas, de cuja natureza não podiam suspeitar, eram simplesmente pontos luminosos, de volumes diversos, engastados na abóbada, como lâmpadas suspensas, dispostas sobre uma única superfície e, por conseguinte, todas à mesma distância da Terra, tal como as que se veem no interior de certas cúpulas, pintadas de azul, figurando a do céu. Se bem hoje sejam outras as ideias, o uso das expressões antigas se conservou. Ainda se diz, por comparação: a abóbada estrelada; sob a cúpula do céu.
Igualmente desconhecida era então a formação das nuvens pela evaporação das águas da Terra. A ninguém podia acudir a ideia de que a chuva, que cai do céu, tivesse origem na Terra, donde ninguém a via subir. Daí a crença na existência de águas superiores e de águas inferiores, de fontes celestes e de fontes terrestres, de reservatórios colocados nas altas regiões, suposição que concordava perfeitamente com a ideia de uma abóbada sólida, capaz de os sustentar. As águas superiores, escapando-se pelas frestas da abóbada, caíam em chuva e, conforme fossem mais ou menos largas as frestas, a chuva era branda, torrencial e diluviana.”
A Gênese 5 - 4 e 5.
Paris, 25 de abril de 1866.
“De mundo de expiação, a Terra se mudará um dia em mundo ditoso e habitá-lo será uma recompensa, em vez de ser uma punição. O reinado do bem sucederá ao reinado do mal.
Para que na Terra sejam felizes os homens, preciso se faz que somente a povoem Espíritos bons, encarnados e desencarnados, que unicamente ao bem aspirem. Como já chegou esse tempo, uma grande emigração neste momento se opera entre os que a habitam. Os que praticam o mal pelo mal, alheios ao sentimento do bem, dela se verão excluídos, porque lhe acarretariam novamente perturbações e confusões que constituiriam obstáculo ao progresso. Irão expiar o seu endurecimento em mundos inferiores, aos quais levarão os conhecimentos que adquiriram, tendo por missão fazê-los adiantar-se. Substitui-los-ão na Terra Espíritos melhores que farão reinem entre si a justiça, a paz, a fraternidade.
A Terra, dissemo-lo, não será transformada por um cataclismo que aniquile de súbito uma geração. A atual desaparecerá gradualmente e a nova lhe sucederá do mesmo modo, sem que haja mudança na ordem natural das coisas. Tudo, pois, exteriormente, se passará como de costume, com uma única diferença, embora capital: a de que uma parte dos Espíritos que nela encarnam não mais encarnarão. Em cada criança que nasça, em lugar de um Espírito atrasado e propenso ao mal, encarnará um Espírito mais adiantado e propenso ao bem. Trata-se, portanto, muito menos de uma nova geração corporal, do que de uma nova geração de Espíritos. Assim, desapontados ficarão os que contem que a transformação resulte de efeitos sobrenaturais e maravilhosos.
A época atual é a da transição; os elementos das duas gerações se confundem. Colocados no ponto intermédio, assistis à partida de uma e à chegada da outra, e cada uma já se assinala no mundo pelos caracteres que lhe são próprios.
As duas gerações que sucedem uma à outra têm ideias e modos de ver inteiramente opostos. Pela natureza das disposições morais, porém, sobretudo pelas disposições intuitivas e inatas, torna-se fácil distinguir à qual das duas pertence cada indivíduo.
Tendo de fundar a era do progresso moral, a nova geração se distingue por uma inteligência e uma razão, em geral, precoces, juntas ao sentimento inato do bem e das crenças espiritualistas, o que é sinal indubitável de certo grau de adiantamento anterior. Não se comporá tão só de Espíritos eminentemente superiores, mas de Espíritos que, já tendo progredido, estão predispostos a assimilar as ideias progressistas e aptos a secundar o movimento regenerador.
O que, ao contrário, distingue os Espíritos atrasados é, primeiramente, a revolta contra Deus, pela negação da Providência e de qualquer poder acima da Humanidade; depois, pela propensão instintiva para as paixões degradantes, para os sentimentos antifraternais do orgulho, do ódio, do ciúme, da cupidez, enfim, a predominância de apego a tudo o que é material.
Desses vícios é que a Terra tem de ser expurgada pelo afastamento dos que recalcitram em emendar-se, visto que são incompatíveis com o reino da fraternidade e os homens de bem sofreriam sempre com o contacto dessas criaturas. Livre deles a Terra, os outros caminharão desembaraçadamente para o futuro melhor, que lhes está reservado neste mundo, em recompensa de seus esforços e da sua perseverança, enquanto uma depuração ainda mais completa não lhes abre o pórtico dos mundos superiores.”
(Resumo das comunicações)
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