GRUPO ESPÍRITA AGOSTINHO E TEREZA DE JESUS

O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se estabelecem entre nós e os espíritos; Como filosofia, compreende todas as consequências morais que faz brotar dessas mesmas relações. Podemos defini-lo assim: Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos espíritos, bom como de suas relações com o mundo corporal.

E ainda, o Espiritismo é uma ciência nova que vem revelar aos homens, por meios de provas irrecusáveis, a existência e a natureza do mundo espiritual e as suas relações com o mundo corpóreo. Ele nos mostra, não mais como coisa sobrenatural, porém ao contrário, como uma das forças vivas sem cessar atuantes da natureza, como fonte de uma imensidade de fenômenos até hoje incompreendidos e , por isso, relegados para o domínio do fantástico e do maravilhoso. É a essas relações que o Cristo refere-se em muitas circunstâncias e daí vem que muito do que Ele disse permaneceu obscuro ou falsamente interpretado.

O Espiritismo é a chave com o auxílio da qual tudo se explica de modo fácil.

Allan Kardec


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segunda-feira, 8 de abril de 2024

Revista Espírita - Realização Espiritual



                             As comunicações que se obtêm dos Espíritos muito elevados ou dos que animaram grandes personagens da antiguidade são preciosas pelo alto ensinamento que encerram. Esses Espíritos adquiriram um grau de perfeição que lhes permite abranger uma esfera de ideias mais extensa, penetrar mistérios que ultrapassam o alcance vulgar da Humanidade e, em consequência, de iniciar-nos, melhor do que outros, em certas coisas. Daí não se segue que as  comunicações de Espíritos de uma ordem menos elevada não tenham utilidade; longe disso: o observador haure nelas diversas instruções. Para conhecer os costumes de um povo, é preciso estudá-lo em todos os graus da escala. Quem só o tivesse visto sob uma face, conhecê-lo-ia mal. A história de um povo não é a de seus reis e das sumidades sociais; para julgá-lo é preciso vê-lo em sua vida íntima, em seus hábitos privados. Ora, os Espíritos superiores são as sumidades do mundo espírita; sua própria elevação os coloca de tal forma acima de nós que nos assustamos com a distância que nos separa deles. Espíritos mais burgueses – que nos permitam a expressão – tornam mais palpáveis as circunstâncias de sua nova existência. Neles, a ligação entre a vida corporal e a vida espiritual é mais íntima; nós a compreendemos melhor porque nos toca de mais perto. Aprendendo com eles mesmos em que se tornaram, o que pensam, o que experimentam as pessoas de todas as condições e de todos os caracteres, os homens de bem como os viciosos, os grandes e os pequenos, os felizes e os infelizes do século, numa palavra, os homens que viveram entre nós, que vimos e conhecemos, cuja vida real é conhecida, como suas virtudes e defeitos, compreendemos suas alegrias e seus sofrimentos. A eles nos associamos e neles haurimos um ensino moral tanto mais proveitoso quanto mais íntimas as relações entre eles e nós. Colocamo-nos mais facilmente no lugar de quem foi igual a nós, do que no daquele que vemos apenas através da miragem de uma glória celeste. Os Espíritos vulgares mostram-nos a aplicação prática das grandes e sublimes verdades, das quais os Espíritos superiores nos ensinam a teoria. Aliás, nada é inútil no estudo de uma ciência: Newton encontrou a lei das forças do Universo no mais simples dos fenômenos.                                                 

     Essas comunicações têm outra vantagem: constatar a identidade dos Espíritos de maneira mais precisa. Quando nos diz um Espírito ter sido Sócrates ou Platão, somos obrigados a crer sob palavra, porquanto não traz consigo um certificado de autenticidade; podemos ver, em suas palavras, se desmente ou não a origem que ele se atribui: julgamo-lo Espírito elevado, eis tudo; em verdade, tenha sido Sócrates ou Platão, pouco importa. Mas, quando o Espírito de nossos parentes, de nossos amigos ou daqueles que conhecemos se nos manifesta, apresentam-se mil circunstâncias de detalhes íntimos nos quais a identidade não poderia ser posta em dúvida: de algum modo adquire-se a prova material. Pensamos, pois, que nos agradecerão, se fizermos, de vez em quando, algumas dessas evocações íntimas: é o romance de costumes da vida espírita, sem ficção.”

 

Revista Espírita 03/1858 - Utilidade de Certas Evocações Particulares.

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     – “Sua neta não vem à mesa para as refeições? - perguntei à dona da casa, ensaiando palestra mais íntima.

     – Por enquanto, alimenta-se a sós - esclareceu dona Laura -, a tolinha continua nervosa, abatida. Aqui, não trazemos à mesa qualquer pessoa que se manifeste perturbada ou desgostosa. A neurastenia e a inquietação emitem fluidos pesados e venenosos, que se misturam automaticamente às substâncias alimentares. Minha neta demorou-se no Umbral quinze dias, em forte sonolência, assistida por nós. Deveria ingressar nos pavilhões hospitalares, mas, afinal, veio submeter-se aos meus cuidados diretos.

     Manifestei desejo de visitar a recém-chegada do planeta. Seria muito interessante ouvi-la. Há quanto tempo estava sem notícias diretas da existência comum?

     A senhora Laura não se fez rogada quando lhe dei a conhecer meu desejo.

     Demandamos um quarto confortável e muito amplo. Uma jovem muito pálida repousava em cômoda poltrona. Surpreendeu-se vivamente ao ver-me.

     – Este amigo, Eloísa - explicou a genitora de Lísias, indicando-me -, é um irmão nosso que voltou da esfera física, há pouco tempo.

     A moça fitou-me curiosa, embora os olhos perdidos nas fundas olheiras traduzissem grande esforço para concentrar atenção. Cumprimentou-me, esboçando vago sorriso, dando-me eu a conhecer, por minha vez.

     – Deve estar cansada - observei.

     Antes, porém, que ela respondesse, adiantou-se a senhora Laura, procurando subtraí-la a esforços sobreposse fatigantes:

     – Eloísa tem estado inquieta, aflita. Em parte, justifica-se. A tuberculose foi longa e deixou-lhe traços profundos; entretanto, não se pode prescindir, a tempo algum, do otimismo e da coragem.

     Vi a jovem arregalar os olhos muito negros, como a reter o pranto, mas em vão. O tórax começou a arfar-lhe violentamente e, colando o lenço ao rosto, não conseguia conter os soluços angustiosos.

     – Tolinha! - disse a meiga senhora abraçando-a - é necessário reagir contra isso. Estas impressões são os resultados da educação religiosa deficiente, nada mais. Sabes que tua mãe não se demorará e que não podes contar com a fidelidade do noivo, que, de modo algum, está preparado a te oferecer uma sincera dedicação espiritual na Terra. Ele ainda está longe do espírito sublime do amor iluminado. Naturalmente, desposará outra e deves habituar-te a esta convicção. Nem seria justo exigir-lhe a vinda brusca.

     Sorrindo maternalmente, a senhora Laura acrescentou:

     – Admitamos que viesse, forçando a lei. Não seria mais duro o sofrimento? Não pagarias caro a cooperação que houvesses desenvolvido nesse particular? Não te faltarão amizades carinhosas, nem colaboração fraternal, para que te equilibres aqui. E se amas, de fato, o rapaz, deves procurar harmonia para beneficiá-lo mais tarde. Além disso, tua mãe não tarda a chegar.

     Penalizou-me o pranto copioso da jovem. Procurei estabelecer novo rumo à conversação, tentando subtraí-la à crise de lágrimas.

     – Donde vem você, Eloísa? - interroguei.

     A mãe de Lísias, agora calada, parecia igualmente desejosa de vê-la desembaraçar-se.

      Após longos instantes em que enxugava os olhos lacrimosos, a moça respondeu:

     – Do Rio de Janeiro.

     – Mas não deve chorar assim - objetei. Você é muito feliz. Desencarnou há poucos dias, está com os seus parentes e não conheceu tempestades na grande viagem...

     Ela pareceu reanimar-se, falando mais calma:

     – Não imagina, porém, quanto tenho sofrido. Oito meses de luta com a tuberculose, não obstante os tratamentos... a mágoa de haver transmitido a moléstia a minha carinhosa mãe... Além disso, o que padeceu por minha causa o pobre noivo, é inenarrável...

     – Ora, ora, não diga isso - observou a senhora Laura a sorrir. Na Terra temos sempre a ilusão de que não há dor maior que a nossa. Pura cegueira: há milhões de criaturas afrontando situações verdadeiramente cruéis, comparadas às nossas experiências.     

     – Arnaldo, porém, vovó, ficou sem consolo, desesperado. Tudo isso dá que pensar - acentuou contrafeita.

     – E acreditas sinceramente nessa impressão? - perguntou a matrona com inflexão de carinho. Observei teu ex-noivo, diversas vezes, no curso da tua enfermidade. Era natural que ele se comovesse tanto, vendo-te o corpo reduzido a frangalhos; mas não está preparado para compreender um sentimento puro. Reconfortar-se-á muito depressa. Amor iluminado não é para qualquer criatura humana. Conserva, portanto, o teu otimismo. Poderás auxiliá-lo, sem dúvida, muitas vezes, mas no que concerne à união conjugal, quando puderes excursionar às esferas do planeta, em nossa companhia, já o encontrarás casado com outra.

     Admirado por minha vez, notei a surpresa dolorosa de Eloísa. Não sabia a convalescente como portar-se ante a serenidade e o bom senso da avó.           

     – Será possível?

     A genitora de Lísias esboçou um gesto extremamente carinhoso e falou:

    – Não sejas teimosa, nem tentes desmentir-me.

     Vendo que a enferma parecia tomar a atitude íntima de quem deseja provas, a senhora Laura insistiu, muito meiga:

     – Não te recordas da Maria da Luz, a colega que te levava flores todos os domingos? Pois nota: quando o médico anunciou, em caráter confidencial, a impossibilidade de restabelecer-te o corpo físico, Arnaldo, embora muito magoado, começou a envolvê-la em vibrações mentais diferentes. Agora que aqui estás, não demorarão muito as resoluções novas.

     Ah! que horror, vovó!                                           

     – Horror, por quê? É preciso te habituares a considerar as necessidades alheias. Teu noivo é homem comum, não está alertado para as belezas sublimes do amor espiritual. Não podes operar milagres nele, por muito que o ames. A descoberta de si mesmo é apanágio de cada um. Arnaldo conhecerá mais tarde a beleza do teu idealismo; mas, por agora, é preciso entregá-lo às experiências de que necessita.

       – Não me conformo! - clamou a jovem, chorando – justamente Maria da Luz, a amiga que sempre julguei fidelíssima.

     A senhora Laura, todavia, sorriu e falou, cautelosa:

     – Não será, porém, mais agradável confiá-lo aos cuidados de uma criatura irmã? Maria da Luz será sempre tua amiga espiritual, ao passo que outra mulher talvez te dificultasse, mais tarde, o acesso ao coração dele.

     Eu estava eminentemente surpreendido. Eloísa prorrompera em soluços. A bondosa senhora percebeu-me a intranquilidade e,   no propósito talvez de orientar tanto a neta quanto a mim, esclareceu sensatamente:                                          

     – Sei a causa do teu pranto, filhinha: nasce da terra inculta do nosso milenário egoísmo, da nossa renitente vaidade humana. Entretanto, a vovó não te fala para ferir, mas para acordar.

     Enquanto Eloísa chorava, a mãe de Lísias convidou-me novamente à sala de estar, considerando que a doente necessitava de repouso.

     Ao sentarmo-nos, falou em tom confidencial:

     – Minha neta chegou profundamente fatigada. Prendeu o coração, demasiadamente, nas teias do amor-próprio. A rigor, o lugar dela seria em qualquer dos nossos hospitais; entretanto, o Assistente Couceiro julgou melhor situá-la junto ao nosso carinho. Isso, aliás, é muito do meu agrado, porque minha querida Teresa, sua mãe, está a chegar. Um pouco de paciência e atingiremos a solução justa. Questão de tempo e serenidade.”

 

Nosso Lar - 19.

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