“As comunicações que se obtêm dos Espíritos muito elevados ou dos que animaram grandes personagens da antiguidade são preciosas pelo alto ensinamento que encerram. Esses Espíritos adquiriram um grau de perfeição que lhes permite abranger uma esfera de ideias mais extensa, penetrar mistérios que ultrapassam o alcance vulgar da Humanidade e, em consequência, de iniciar-nos, melhor do que outros, em certas coisas. Daí não se segue que as comunicações de Espíritos de uma ordem menos elevada não tenham utilidade; longe disso: o observador haure nelas diversas instruções. Para conhecer os costumes de um povo, é preciso estudá-lo em todos os graus da escala. Quem só o tivesse visto sob uma face, conhecê-lo-ia mal. A história de um povo não é a de seus reis e das sumidades sociais; para julgá-lo é preciso vê-lo em sua vida íntima, em seus hábitos privados. Ora, os Espíritos superiores são as sumidades do mundo espírita; sua própria elevação os coloca de tal forma acima de nós que nos assustamos com a distância que nos separa deles. Espíritos mais burgueses – que nos permitam a expressão – tornam mais palpáveis as circunstâncias de sua nova existência. Neles, a ligação entre a vida corporal e a vida espiritual é mais íntima; nós a compreendemos melhor porque nos toca de mais perto. Aprendendo com eles mesmos em que se tornaram, o que pensam, o que experimentam as pessoas de todas as condições e de todos os caracteres, os homens de bem como os viciosos, os grandes e os pequenos, os felizes e os infelizes do século, numa palavra, os homens que viveram entre nós, que vimos e conhecemos, cuja vida real é conhecida, como suas virtudes e defeitos, compreendemos suas alegrias e seus sofrimentos. A eles nos associamos e neles haurimos um ensino moral tanto mais proveitoso quanto mais íntimas as relações entre eles e nós. Colocamo-nos mais facilmente no lugar de quem foi igual a nós, do que no daquele que vemos apenas através da miragem de uma glória celeste. Os Espíritos vulgares mostram-nos a aplicação prática das grandes e sublimes verdades, das quais os Espíritos superiores nos ensinam a teoria. Aliás, nada é inútil no estudo de uma ciência: Newton encontrou a lei das forças do Universo no mais simples dos fenômenos.
Essas comunicações têm outra vantagem: constatar a identidade dos Espíritos de maneira mais precisa. Quando nos diz um Espírito ter sido Sócrates ou Platão, somos obrigados a crer sob palavra, porquanto não traz consigo um certificado de autenticidade; podemos ver, em suas palavras, se desmente ou não a origem que ele se atribui: julgamo-lo Espírito elevado, eis tudo; em verdade, tenha sido Sócrates ou Platão, pouco importa. Mas, quando o Espírito de nossos parentes, de nossos amigos ou daqueles que conhecemos se nos manifesta, apresentam-se mil circunstâncias de detalhes íntimos nos quais a identidade não poderia ser posta em dúvida: de algum modo adquire-se a prova material. Pensamos, pois, que nos agradecerão, se fizermos, de vez em quando, algumas dessas evocações íntimas: é o romance de costumes da vida espírita, sem ficção.”
Revista Espírita 03/1858 - Utilidade de Certas Evocações Particulares.
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– Por enquanto, alimenta-se a sós -
esclareceu dona Laura -, a tolinha continua nervosa, abatida. Aqui, não
trazemos à mesa qualquer pessoa que se manifeste perturbada ou desgostosa. A neurastenia
e a inquietação emitem fluidos pesados e venenosos, que se misturam
automaticamente às substâncias alimentares. Minha neta demorou-se no Umbral quinze
dias, em forte sonolência, assistida por nós. Deveria ingressar nos pavilhões
hospitalares, mas, afinal, veio submeter-se aos meus cuidados diretos.
Manifestei desejo de visitar a
recém-chegada do planeta. Seria muito interessante ouvi-la. Há quanto tempo
estava sem notícias diretas da existência comum?
A senhora Laura não se fez rogada quando
lhe dei a conhecer meu desejo.
Demandamos um quarto confortável e muito
amplo. Uma jovem muito pálida repousava em cômoda poltrona. Surpreendeu-se vivamente
ao ver-me.
– Este amigo, Eloísa - explicou a genitora
de Lísias, indicando-me -, é um irmão nosso que voltou da esfera física, há
pouco tempo.
A moça fitou-me curiosa, embora os olhos
perdidos nas fundas olheiras traduzissem grande esforço para concentrar
atenção. Cumprimentou-me, esboçando vago sorriso, dando-me eu a conhecer, por
minha vez.
– Deve estar cansada - observei.
Antes, porém, que ela respondesse,
adiantou-se a senhora Laura, procurando subtraí-la a esforços sobreposse
fatigantes:
– Eloísa tem estado inquieta, aflita. Em
parte, justifica-se. A tuberculose foi longa e deixou-lhe traços profundos;
entretanto, não se pode prescindir, a tempo algum, do otimismo e da coragem.
Vi a jovem arregalar os olhos muito
negros, como a reter o pranto, mas em vão. O tórax começou a arfar-lhe
violentamente e, colando o lenço ao rosto, não conseguia conter os soluços
angustiosos.
– Tolinha! - disse a meiga senhora
abraçando-a - é necessário reagir contra isso. Estas impressões são os
resultados da educação religiosa deficiente, nada mais. Sabes que tua mãe não
se demorará e que não podes contar com a fidelidade do noivo, que, de modo
algum, está preparado a te oferecer uma sincera dedicação espiritual na Terra.
Ele ainda está longe do espírito sublime do amor iluminado. Naturalmente,
desposará outra e deves habituar-te a esta convicção. Nem seria justo
exigir-lhe a vinda brusca.
Sorrindo maternalmente, a senhora Laura
acrescentou:
– Admitamos que viesse, forçando a lei.
Não seria mais duro o sofrimento? Não pagarias caro a cooperação que houvesses desenvolvido
nesse particular? Não te faltarão amizades carinhosas, nem colaboração
fraternal, para que te equilibres aqui. E se amas, de fato, o rapaz, deves
procurar harmonia para beneficiá-lo mais tarde. Além disso, tua mãe não tarda a
chegar.
Penalizou-me o pranto copioso da jovem.
Procurei estabelecer novo rumo à conversação, tentando subtraí-la à crise de
lágrimas.
– Donde vem você, Eloísa? - interroguei.
A mãe de Lísias, agora calada, parecia
igualmente desejosa de vê-la desembaraçar-se.
Após longos
instantes em que enxugava os olhos lacrimosos, a moça respondeu:
– Do Rio de Janeiro.
– Mas não deve chorar assim - objetei.
Você é muito feliz. Desencarnou há poucos dias, está com os seus parentes e não
conheceu tempestades na grande viagem...
Ela pareceu reanimar-se, falando mais
calma:
– Não imagina, porém, quanto tenho
sofrido. Oito meses de luta com a tuberculose, não obstante os tratamentos... a
mágoa de haver transmitido a moléstia a minha carinhosa mãe... Além disso, o
que padeceu por minha causa o pobre noivo, é inenarrável...
– Ora, ora, não diga isso - observou a
senhora Laura a sorrir. Na Terra temos sempre a ilusão de que não há dor maior
que a nossa. Pura cegueira: há milhões de criaturas afrontando situações verdadeiramente
cruéis, comparadas às nossas experiências.
– Arnaldo, porém, vovó, ficou sem consolo,
desesperado. Tudo isso dá que pensar - acentuou contrafeita.
– E acreditas sinceramente nessa
impressão? - perguntou a matrona com inflexão de carinho. Observei teu
ex-noivo, diversas vezes, no curso da tua enfermidade. Era natural que ele se
comovesse tanto, vendo-te o corpo reduzido a frangalhos; mas não está preparado
para compreender um sentimento puro. Reconfortar-se-á muito depressa. Amor
iluminado não é para qualquer criatura humana. Conserva, portanto, o teu
otimismo. Poderás auxiliá-lo, sem dúvida, muitas vezes, mas no que concerne à
união conjugal, quando puderes excursionar às esferas do planeta, em nossa
companhia, já o encontrarás casado com outra.
Admirado por minha vez, notei a surpresa
dolorosa de Eloísa. Não sabia a convalescente como portar-se ante a serenidade
e o bom senso da avó.
– Será possível?
A genitora de Lísias esboçou um gesto
extremamente carinhoso e falou:
– Não sejas teimosa, nem tentes
desmentir-me.
Vendo que a enferma parecia tomar a
atitude íntima de quem deseja provas, a senhora Laura insistiu, muito meiga:
– Não te recordas da Maria da Luz, a
colega que te levava flores todos os domingos? Pois nota: quando o médico
anunciou, em caráter confidencial, a impossibilidade de restabelecer-te o corpo
físico, Arnaldo, embora muito magoado, começou a envolvê-la em vibrações
mentais diferentes. Agora que aqui estás, não demorarão muito as resoluções
novas.
Ah! que horror, vovó!
– Horror, por quê? É preciso te habituares
a considerar as necessidades alheias. Teu noivo é homem comum, não está
alertado para as belezas sublimes do amor espiritual. Não podes operar milagres
nele, por muito que o ames. A descoberta de si mesmo é apanágio de cada um. Arnaldo
conhecerá mais tarde a beleza do teu idealismo; mas, por agora, é preciso
entregá-lo às experiências de que necessita.
– Não me conformo! - clamou a jovem,
chorando – justamente Maria da Luz, a amiga que sempre julguei fidelíssima.
A senhora Laura, todavia, sorriu e falou,
cautelosa:
– Não será, porém, mais agradável
confiá-lo aos cuidados de uma criatura irmã? Maria da Luz será sempre tua amiga
espiritual, ao passo que outra mulher talvez te dificultasse, mais tarde, o acesso
ao coração dele.
Eu estava eminentemente surpreendido.
Eloísa prorrompera em soluços. A bondosa senhora percebeu-me a intranquilidade
e, no propósito talvez de orientar tanto a neta
quanto a mim, esclareceu sensatamente:
– Sei a causa do teu pranto, filhinha:
nasce da terra inculta do nosso milenário egoísmo, da nossa renitente vaidade
humana. Entretanto, a vovó não te fala para ferir, mas para acordar.
Enquanto Eloísa chorava, a mãe de Lísias
convidou-me novamente à sala de estar, considerando que a doente necessitava de
repouso.
Ao sentarmo-nos, falou em tom
confidencial:
– Minha neta chegou profundamente
fatigada. Prendeu o coração, demasiadamente, nas teias do amor-próprio. A
rigor, o lugar dela seria em qualquer dos nossos hospitais; entretanto, o Assistente
Couceiro julgou melhor situá-la junto ao nosso carinho. Isso, aliás, é muito do
meu agrado, porque minha querida Teresa, sua mãe, está a chegar. Um pouco de
paciência e atingiremos a solução justa. Questão de tempo e serenidade.”
Nosso Lar - 19.
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